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Descrição para cegos: ilustração mostra uma mão que é, aos mesmo tempo, uma pomba, com o polegar formando a cabeça da ave e os demais dedos, sua calda e asas. |
Os setores ligados aos Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba se manifestaram com relação à conjuntura política do país com um documento elaborado pelo professor Giuseppe Tosi e ratificado por esses setores. Além do seu valor como manifestação em defesa da tolerância e da democracia, é também um manual sobre o que são os Direitos Humanos.
O que os Direitos Humanos têm a ver
com você
Será que “os Direitos Humanos só defendem bandidos”, que “os Direitos Humanos só valem para os humanos direitos”, que “bandido bom é bandido morto”, que “os Direitos Humanos só defendem quem não presta”?
Será que isso é
verdade ou é mentira? É mito ou realidade? Para responder, vamos ver mais de
perto o que são os Direitos Humanos.
Os Direitos Humanos
não são de esquerda ou de direita, são os alicerces da nossa Constituição e do
nosso Pacto Social, e o padrão mínimo de uma convivência civilizada: sem os
Direitos Humanos voltamos à barbárie do estado de natureza.
Os Direitos Humanos
defendem todos e todas.
Os Direitos Humanos
defendem os bandidos, porque o bandido perde a liberdade, mas não a dignidade e
o tratamento que recebe nas prisões e masmorras brasileiras é indigno de
qualquer ser humano e não faz ninguém ficar melhor. Os Direitos Humanos
defendem um tratamento digno para os presos, com oferta de oportunidade de
trabalho, de estudo e de reeducação. Deixar o sistema penitenciário como está
ou aumentar ainda mais a quantidade de presos significa incentivar o crime!
Os Direitos Humanos
defendem os policiais, porque a polícia é defensora dos Direitos Humanos, defende
a vida, a liberdade, a propriedade, o direito de ir e vir de todos os cidadãos.
É um absurdo colocar a polícia contra os Direitos Humanos. O direito à
segurança é um direito fundamental, e a polícia, assim como a sociedade, é
responsável por ela como afirma a Constituição.
Os Direitos Humanos
defendem melhores condições de vida e de trabalho para os policiais, defendem a
vida dos policiais: se o policial não consegue proteger a sua vida, como pode
proteger a dos cidadãos! O assassinato de policiais é o sinal dramático da
falência do nosso sistema de Segurança Pública, que não oferece garantias
mínimas nem para os cidadãos, nem para os policiais e nem para os “bandidos”:
policial mata bandido, bandido mata policial, o cidadão fica entre o fogo
cruzado e o círculo da violência continua gerando mais violência e insegurança
para todos. Mais truculência e mais repressão policiais não resolvem, agravam a
crise! Dar “licença para matar” ao policial significa que ele se torna em
poucos minutos, quem prende, julga, condena e executa a pena! Significa também
aumentar o risco de reação letal por parte dos criminosos diante da abordagem
policial, pois reagir será lutar pela vida.
Os Direitos Humanos
defendem os direitos de todos os trabalhadores a um trabalho digno e decente,
contra as condições de trabalho e de salário aviltantes e indignas e
semelhantes à escravidão.
Os Direitos Humanos
defendem os direitos das mulheres à vida, ao trabalho, à saúde, à educação, à
paridade de tratamento no trabalho, na família e na sociedade. Os Direitos Humanos
são contra os feminicídios, a violência doméstica, o assédio sexual, todas as
formas de violência e de discriminação contra as mulheres.
Os Direitos Humanos
defendem os direitos da população LGBTI a viver livremente a própria
sexualidade ou orientação sexual, que não é uma opção, mas uma condição de vida
que sempre existiu e que deve ser respeitada; são contra o assassinato e a
violência contra homossexuais, lésbicas, travestis, transgêneros.
Os Direitos Humanos
defendem a liberdade de religião dentro de um Estado laico. O Estado não tem
religião, a religião é um assunto privado; as igrejas devem respeitar as leis
do Estado e não podem perseguir outras religiões, ou impor suas ideias e
comportamentos às outras religiões ou a quem não tem religião. Os Direitos
Humanos defendem a tolerância religiosa como uma grande conquista civilizatória
da humanidade contra o fanatismo e fundamentalismo religioso.
Os Direitos Humanos
defendem a justiça pública e não a vingança privada, como um grande avanço
civilizacional desde os tempos dos antigos códigos de Lei: por isso, os
cidadãos andam sem armas e entregam ao Estado e aos profissionais da segurança
este direito/dever.
Os Direitos Humanos
defendem o ensino público universal e gratuito como uma das principais
ferramentas de ascensão social, para formar pessoas para o mercado de trabalho,
e para formar cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres, para educar à
tolerância, à solidariedade, à paz e aos valores democráticos. A educação em e
para os Direitos Humanos deve ser a base de toda a formação desde o ensino
fundamental até o ensino superior, como determina o Conselho Nacional de
Educação.
Os Direitos Humanos
defendem os programas sociais de renda mínima e as ações afirmativas como
instrumentos para permitir uma equalização das oportunidades para todos os
cidadãos brasileiros, sem distinção.
Os Direitos Humanos
defendem a liberdade de ensino dos professores, dentro dos limites ditados pela
lei, para eles como para todos os cidadãos, sem pressões ou censuras ou
intimidações. O pluralismo ideológico é a base de uma formação que respeite os
outros, as diferenças.
Os Direitos Humanos
defendem a família, nas suas diversas maneiras de ser, e defendem o apoio do
Estado para que toda família tenha as condições mínimas para crescer e educar
os seus filhos, para que nenhuma família brasileira passe fome e necessidade.
Os Direitos Humanos
defendem as populações indígenas e negras, e o seus territórios, culturas e
identidades. Os Direitos Humanos defendem a reforma agrária através de uma
redistribuição da terra, defendem a demarcação das terras indígenas para
proteger a cultura indígena e o patrimônio natural de todos, defendem a
demarcação das terras e o respeito à cultura dos quilombolas herança da luta e
da resistência dos escravos negros.
Os Direitos Humanos defendem que todo o cidadão deve ter as
mesmas condições básicas de vida, moradia, alimentação, educação e saúde para
poder participar em pé de igualdade com os outros no mercado de trabalho e
usufruir tudo o que a sociedade lhe oferece. Os Direitos Humanos defendem a
igualdade.
Os Direitos Humanos só
prosperam em um ambiente democrático, não há democracia sem Direitos Humanos e
não há Direitos Humanos sem democracia. Defender a democracia significa
defender a vontade da maioria, mas também os direitos das minorias: sem isso a
democracia se torna uma tirania da maioria.
Democracia significa
soberania popular, separação dos poderes, liberdade de expressão e de formação
de associações e partidos, liberdade de votar e ser votado, subordinação do
poder militar ao poder civil. Democracia é administração dos conflitos sem
recorrer à violência, ou recorrendo à violência legitima do Estado, exercida
nos limites da lei.
Os Direitos Humanos
defendem que o direito à informação deve ser amplo, democrático, dotando a
sociedade de mecanismos de regulamentação para evitar o monopólio dos meios de
comunicação, assegurando a pluralidade de manifestações de visões de mundo.
Os Direitos Humanos
são contra as ditaduras, os Estados autoritários ou totalitários, que violam os
princípios básicos do Estado de Direito, que defendem e promovem a tortura e
consideram o adversário político como um inimigo a ser exterminado.
Os Direitos Humanos
são contra a crescente militarização da segurança pública e de outros âmbitos
das relações sociais no Brasil: o exército e a polícia têm as suas atribuições
claramente determinadas pela Constituição e todos eles estão subordinados ao
poder político civil. O período das ditaduras militares no Brasil e na América
Latina é uma página trágica da nossa história que deve ser definitivamente
virada. Ditaduras nunca mais!
Os Direitos Humanos
defendem o respeito pelo Estado Brasileiro do direito internacional dos
Direitos Humanos, defendem os princípios do multilateralismo e da cooperação
entre as nações em pé de igualdade, contra qualquer tipo de imperialismo; o
respeito dos organismos internacionais de proteção do sistema universal e
regionais das Nações Unidas, entidade que o Brasil ajudou a fundar em 1945 e o
respeito aos Pactos e Protocolos Internacionais de Direitos Humanos assinados
pelo Estado brasileiro, que fazem parte do direito interno. O Brasil foi um dos
48 países que participaram da elaboração e assinaram a Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948.
Os Direitos Humanos
são fruto de um longo processo histórico de lutas, revoluções, guerras,
conflitos que convenceram a humanidade a adotá-los como padrão civilizatório.
Eles reúnem o que há de melhor na história da humanidade: a liberdade, a
igualdade e a fraternidade.
A liberdade civil e
política é a herança do liberalismo político deixada pelas revoluções burguesas
contra o absolutismo monárquico e o sistema econômico feudal; a igualdade social e econômica é a herança das revoluções socialistas
contra a exploração capitalista; e a fraternidade é a herança do cristianismo
social, que ensina que todo ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus e
que em todos, inclusive no mais desprezível, há uma centelha divina, o que lhe
confere uma dignidade própria.
Os Direitos Humanos
são uma secularização do cristianismo, ou seja, uma tradução em termos laicos e
racionalistas, dos princípios teológicos cristãos como também de outras
religiões do mundo inteiro. Se dizer cristão e ser contra os Direitos Humanos é
algo incompatível, pregar o Evangelho e estimular o ódio e a violência é algo
incompatível, o Evangelho é uma doutrina de paz e de amor e não de ódio e de
violência, o Evangelho prega o desarmamento dos corações e das mentes e o amor
ao próximo (parábola do bom samaritano).
Os Direitos Humanos
não são facultativos, fazem parte das obrigações éticas, jurídicas e políticas
que todo cidadão brasileiro deve respeitar.
O leitor que chegou
até aqui percebe, então, quanto é absurdo afirmar que “os Direitos Humanos só
defendem bandidos”, que “os Direitos Humanos só valem para os humanos
direitos”, que “bandido bom é bandido morto”, que “os direitos humanos só
defendem quem não presta”. Quantas falácias e mentiras!
Os Direitos Humanos
protegem todos os cidadãos brasileiros nos seus direitos básicos e
fundamentais, eles são universais, são para todos ou para ninguém, sem
exceções.
Todos sabem que o
Brasil vive uma grave crise econômica, política e ética, mas não vamos sair
desta crise com menos, mas com mais Direitos Humanos, não com menos, mas com
mais democracia, não com ódio e violência, mas com paz e tolerância, para se
tornar uma sociedade mais justa e solidária!
Estes princípios
deveriam ser óbvios para todos e ensinados desde pequenos pela família, a
escola, os partidos, os meios de comunicação. No entanto, no Brasil há uma
campanha permanente de difamação, descrédito e desinformação contra os Direitos
Humanos, ao ponto que uma recente pesquisa do IPSOS sobre a percepção dos
Direitos Humanos em 28 países do mundo, o Brasil está no topo da lista: é o
pais onde mais de 60% da população acredita que os Direitos Humanos defendem
pessoas e grupos sociais que não merecem ser protegidos.
Nestas eleições votem
em quem quiserem, menos nos que prometem acabar com os Direitos Humanos, porque
estão acabando com os seus direitos! A democracia não pode ser tolerante com os
intolerantes.
A democracia tem um
calcanhar de Aquiles, pode ser derrubada por meios democráticos, pela maioria
dos votos; como aconteceu com Hitler na Alemanha e Mussolini na Itália. Não
contribua para que isso aconteça também aqui no Brasil, depois, quando se
arrepender será tarde demais. Não se deixe seduzir pelo discurso dos que atribuem
aos Direitos Humanos a culpa por todas as mazelas que o país está atravessando.
Hitler culpou os judeus, a ditadura brasileira os comunistas, e agora são os
Direitos Humanos o bode expiatório da vez. Acorde! Não deixe esta onda de
violência obscurecer sua mente, confundir o seu raciocínio e encher de ódio o
seu coração. O Brasil precisa de paz e de bom senso e não de radicalização e de
violência. Já temos a suficiência!
Direitos Humanos ou barbárie!
Prof. Giuseppe Tosi
Coordenador do Grupo de Pesquisa de “Teoria
e História dos Direitos Humanos e da Democracia” do Núcleo de Cidadania e
Direitos Humanos (NCDH) do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA)
da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Subscrevem esta carta
Programa de Pós-Graduação em Direitos
Humanos, Cidadania e Políticas Públicas – CCHLA-UFPB
Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos –
NCDH-CCHLA-UFPB
Comissão de Direitos
Humanos da UFPB – CDH-UFPB
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