Ala das baianas do desfile da Beija Flor (Marco Antônio Teixeira/UOL) |
Há
anos as escolas de samba do Rio de Janeiro recebem patrocínio privado. Ele pode
vir tanto de empresas, como as cervejarias fizeram em 1985 ao bancarem o
desfile do Império Serrano, quanto de governos estaduais, tal qual fez o do
Ceará em 1994, ao pagar o enredo da Imperatriz Leopoldinense. Em 2015, no
entanto, a Beija Flor, uma das escolas cariocas mais tradicionais, se viu numa
situação bastante desconfortável quando se tornou público o fato de que seu
desfile havia recebido R$ 10 milhões de Teodoro Obiang Nguema. Obiang é ditador
da Guiné Equatorial há 35 anos, e, além de ser considerado pela revista Forbes
o oitavo governante mais rico do mundo – o que contrasta vorazmente com a
pobreza do país que governa – ele é conhecido pelas diversas violações aos
direitos humanos praticadas no seu regime. Sobre esses crimes, o advogado e
ativista guinéu-equatoriano Tutu Alicante conversou com Carta Capital, em entrevista abaixo.
(Marco Galindo)
Durante o desfile das campeãs
neste domingo 22, a escola de samba Beija-Flor, campeã do carnaval
carioca de 2015, irá fazer soar uma vez mais na Sapucaí o enredo "Um griô
conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné
Equatorial", no qual retrata de maneira positiva um país governado há 35
anos pelo ditador Teodoro Obiang Nguema, sobre o qual pesam uma série de
denúncias graves de violações de direitos humanos e corrupção.
Estima-se em 10 milhões de
reais o aporte financeiro para o desfile campeão -- a agremiação não
confirma--, e a premiação foi repudiada por instituições internacionais de
direitos humanos, como a Anistia Internacional.
Há 35 anos sob o controle
estrito de Obiang, a Guiné Equatorial passou a explorar suas reservas
petrolíferas e tornou-se a líder do ranking de prosperidade da África. O
aumento de divisas, entretanto, não chegou à população. Três quartos dos
habitantes (1,6 milhão de pessoas) segue com acesso precário a
serviços básicos como saneamento ou luz e vive com uma renda de apenas dois
dólares por dia. O governo, por sua vez, investe boa parte dos milhões de
dólares do petróleo na compra de apoio político internacional e em bens de luxo
para a família do ditador. O financiamento à Beija-Flor, que levou à Sapucaí um
retrato bem distante da realidade do país, é a mais recente investida de
marketing do governo ditatorial.
CartaCapital conversou com Tutu
Alicante, um ativista político da Guiné Equatorial radicado nos Estados Unidos.
Alicante descreveu as condições de vida em sua terra natal e criticou o apoio
do governo brasileiro à ditadura de Obiang. A seguir, os principais trechos da
entrevista:
CartaCapital: Como o senhor
descreve as condições de vida na Guiné Equatorial?
Tutu Alicante: A maioria das pessoas é
pobre e batalha cada refeição, o que é um paradoxo: o país é extremamente rico,
porém há pobreza por todos os lados. Temos a maior renda per
capita da África e, ao mesmo tempo, um dos piores índices de
desenvolvimento humano do continente.
CC: Há liberdade de
expressão em seu país?
TA: Nenhuma. Um de meus
colegas foi preso por 15 dias por distribuir panfletos contrários à Copa
Africana na Guiné Equatorial. O governo controla tudo. Não há um veículo sequer
de mídia independente. Também não temos sindicatos ou qualquer outra instituição
do tipo.
CC: Em tese o
presidente Obiang é reeleito sempre...
TA: Obiang controla o
exército, a mídia e frauda as eleições. Ele nunca foi eleito com menos de 95%
dos votos, deixando claro que há um esquema.
CC: Você escapou do regime e
hoje é um cidadão americano. Como enxerga o apoio dos Estados Unidos ao governo
do Guiné?
TA: O governo americano
tem dois pesos e duas medidas em relação aos governos africanos. Não há
razões para o presidente Obiang ser convidado a ir a Washington e Mugabe
(presidente do Zimbábue por 91 anos) não, por exemplo. Os Estados Unidos
perceberam o crescimento da influência da China na África. Na Guiné Equatorial
companhias chinesas operam no setor de construção e infraestrutura. O governo
americano fecha os olhos para os abusos de Obiang por interesses puramente
econômicos. Por outro lado os diplomatas americanos são os únicos a
defenderem a democracia e os Direitos Humanos em Guiné Equatorial.
CC: Qual sua opinião
sobre o comportamento do Brasil em relação ao seu país?
TA: A posição do governo
brasileiro em relação à Guiné Equatorial é muito frustrante. Ver um país
democrático como o Brasil abrir suas portas para um ditador corrupto, como Lula
e Dilma fizeram, é muito triste. E tanto Lula quanto Dilma apoiam a entrada da
Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, e isso
também é um absurdo. O português é a quarta língua oficial do país, as pessoas
só sabem falar "obrigado" e mais nada. A entrada trará apenas apoio
político a uma ditadura, nada mais.
CC: O que seria possível
fazer com os 10 milhões de reais doados por seu país à Beija-Flor?
TA: Com tamanho recurso seria
possível erguer 50 escolas ou pelo menos 20 hospitais. Hoje na Guiné
Equatorial, quando as pessoas ficam doentes, elas não podem arcar com os custos
de uma consulta médica. As poucas pessoas com algum dinheiro viajam para a
países vizinhos porque não há médicos ou infraestrutura de saúde. Em um
jogo da Copa Africana, por exemplo, um jogador de Gana se machucou em campo e
teve que voar da capital Malabo para Mongomo, de uma ponta a outra do país.
Isso porque apenas lá, em uma clínica particular da mulher do presidente, havia
um aparelho raio-x para examinar o jogador. Essa é a situação da saúde do
meu país...
CC: O financiamento do Carnaval chamou a
atenção da mídia. Isso pode ter algum efeito benéfico?
TA: Espero que sim. A atenção
dada a este escândalo pode alimentar uma discussão sobre as relações entre o
governo brasileiro e o regime ditatorial deObiang. Lula e Dilma estiveram
por diversas vezes na Guiné Equatorial e isso é uma vergonha. Não há democracia
no meu país. Não há espaço para a oposição ou qualquer organização social, e a
mídia não é livre. E nenhuma dessas questões foi levantada por Lula, Dilma ou
por qualquer diplomata do governo brasileiro.
CC: Em novembro deste ano
haverá novas eleições presidenciais na Guine Equatorial. Há alguma mudança à
vista?
TA: Quando você controla o
exército, a economia e o sistema político de um país pequeno como o meu,
torna-se intocável. Ouça minhas palavras: nas próximas eleições presidenciais o
filho de Obiang será eleito o próximo presidente. Hoje o ditador e sua família
controlam o país como se fosse a sua empresa privada.
CC: Você tem alguma
perspectiva de um dia ver seu país com um governo realmente democrático?
TA: A única forma disso
acontecer seria através do despertar popular. Os cidadãos precisam perceber que
o poder pertence a eles e não a esse governo ilegítimo. Isso já aconteceu na
Tunísia, na Líbia, está acontecendo no Senegal, em Burquina Faso e em diversos
países africanos. A juventude precisa se unir e ir às ruas pedir por um
novo governo.
CC: Há registros de
mortes de opositores... a população não teme se posicionar contra o regime?
TA: As pessoas tinham medo em
Zâmbia, na Líbia ou na Tunísia, como em qualquer outra ditadura militar. Mas
temos de superar esse medo e nos unir contra essa ditadura. É o único caminho.
CC: Se você pudesse
mandar uma mensagem para a Dilma, qual seria?
TA: Governos vão e vem, mas o
povo fica. E nos lembraremos qual foi a posição do Brasil quando vivíamos sob
uma ditadura.
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