quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Direitos humanos pra quê?

Descrição para cegos: é possível ver cinco pessoas de costas que andam de mãos dadas. Eles tem diferentes alturas, todos usam calça, camiseta e tênis - menos um que usa sandálias.
Por Gabriel Costa

No mês passado furtaram minha carteira. Nela estavam documentos, cartões de banco, de saúde e dinheiro; além de não fazer um mês que eu havia comprado minha carteira. Só bens materiais foram levados, não fui abordado por ninguém – na verdade nem senti e nem vi quem levou – apenas sei que foi na entrada do 502, linha de ônibus com destino ao Geisel e que passa pela UFPB.

Esta foi a quinta vez que tive objetos pessoais extraviados. Não foi a mais traumática, pois a segunda e quarta vez os assaltantes estavam armados e me ameaçaram. Com exceção desta última vez, todos os outros assaltos que sofri foram na minha vizinhança – um dos bairros mais antigos da cidade, predominantemente de classe média mas com alguns condomínios de luxo.
Por essa descrição e somado ao fato de eu ser de uma família de classe média que, por fruto de incessantes esforços, conquista suas coisas e espaços na vida, pode parecer que vou tecer um belo discurso preconceituoso, meritocrático e com todos aqueles clichês. Não. Até por que nem sou eu que estou nesses condomínios de luxo e nem sonho em ter um carro, como muitos da minha idade. Sempre me pego pensando em inúmeras coisas do dia a dia – úteis ou não, importantes ou não – e, diante dessas experiências que tive, tenho refletido sobre minhas reações quando sofri esses atos.
Até a terceira vez que fui assaltado, em meados de 2010, eu me sentia uma vítima totalmente impotente, como de fato nós ficamos quando sofremos atos de violência. Eu tinha por volta dos meus 13 anos e não conhecia muito da vida, nem sabia o que era ética, moral, nem que eles são diferentes um do outro, mas sabia o que alguns familiares juristas conversavam e eu, sempre atento, ouvia. Ouvia que “o Estado deve garantir a vida e a segurança dos cidadãos” e que era uma “atrocidade querer matar bandidos, eles têm que cumprir pena na cadeia e serem reeducados para viver em sociedade”. Mesmo sem saber, estava sendo guiado pelos princípios da nossa Constituição e dos Direitos Humanos.
Quando sofri esses assaltos e outras tentativas até então, eu não enxergava no assaltante um inimigo; era alguém sim que estava tentando me fazer o mal, alguns até estavam sob o efeito de drogas, mas a impotência da idade, da força física e também dos conceitos morais que eu nem conhecia, me amansavam.
A quarta vez que fui assaltado foi em 31 de janeiro deste ano. Na minha rua, dois assaltantes numa moto me abordaram – eles já traziam consigo bolsas de outros roubos – e, me ameaçando e dizendo que estavam armados, levaram meu celular. Entretanto, eu com 18 anos vendo o fruto do meu trabalho sendo levado de forma tão violenta e na minha rua, ou seja, na minha zona de conforto, não iria me reter na impotência. Tentei reagir mas eles fugiram na moto. Logo acionei a polícia que me atendeu rapidamente e com a ajuda do rastreador do meu celular, encontrei os bandidos. Lá estava eu protegido por colete à prova de balas e capuz, com mais 8 policiais fortemente armados entrando numa comunidade não tão longe de casa.
Quando me vi na situação em que estava e como as pessoas do local reagiam à nossa chegada, uma frase que vi num protesto não saía da minha cabeça. “Quer intervenção militar? Vai pra favela!”. Pois é, caro leitor, a ditadura não acabou. E o pior: nós das classes C, B e os mais abastados da A, somos quem a mantemos.
Sim, ainda acredito na educação e na vontade de mudar de cada um.Independente da origem da pessoa, conturbada ou não, mas acredito piamente na ideia do nosso amigo francês Sartre: “a existência precede a essência”. E, de acordo como nossas escolhas, conseguimos moldar nosso destino a cada momento – somos livres para isso. Óbvio que é muito fácil para mim, que estudei nas melhores escolas da cidade e tenho acesso a oportunidades que a gigantesca maioria da população não tem, falar que cada um pode mudar, basta querer. Mas se a mudança não começar na gente, onde começará?
De volta à reação, ignorei todas as orientações policiais de não reagir a assaltos ou atos de violência. Isso estava bem longe da minha cabeça naquele 31 de janeiro. Os instintos mais humanos – animais – é que me faziam dar cada passo forte e veloz atrás daqueles bandidos, naquele momento eu desejava sim o pior para eles; queria vê-los tão mal ou piores como eu me sentia naquele momento e essa ideia me atormentou duramente durante as semanas seguintes. Perdi o sono pensando no que faria se estivesse com eles nas mãos, tive dores de cabeça por ficar ficar a todo instante tentando relembrar de algo que os identificasse, fui atrás de câmeras na rua, testemunhas, etc.
Eu estava decidido a encontrar aqueles bandidos e me acostumei tanto a procurá-los por onde os encontramos antes de fugirem, que até hoje passo pelo local e fico olhando sem saber mais o que procuro. Ali eu não era mais homem e sim bicho. O capitalismo e as relações interpessoais e até interespecíficas de competição que ele provoca nos leva aos mais primitivos dos atos. Atos que mais parecem vir do sistema nervoso periférico – não pensamos nessas atitudes. Dessa forma humana demasiada humana vivemos uma curiosa contradição de sermos – segundo nós mesmos – os únicos seres que sabem e que têm consciência que sabem de algo, mas continuam a agir de forma tão animalesca. Sou um deles. Somos eles e elas.
O âmago do direito humano é saber reconhecer em si e nos outros os humanos que somos. Tarefa difícil. Em horas como essa que somos desafiados e levados ao clímax dos nossos instintos é que somos postos à prova. Somos animais, reagimos imediatamente sem grandes reflexões, mas temos a capacidade de logo em seguida refletir sobre nossas ações. Aí é quando nos arrependemos. A angústia que a liberdade nos causa é um fardo que teremos que levar sempre; enquanto houver humanidade.
Contra a angústia e o mal que nossas atitudes e a de outrem possam nos causar, sejamos sensatos. Respeitemos a vida e nosso planeta. Afinal, não queremos sofrer na mão de ninguém; então por quê faríamos alguém sofrer?

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