Descrição para cegos: é possível ver cinco pessoas de costas que andam de mãos dadas. Eles tem diferentes alturas, todos usam calça, camiseta e tênis - menos um que usa sandálias. |
Por Gabriel Costa
No mês passado furtaram
minha carteira. Nela estavam documentos, cartões de banco, de saúde e dinheiro;
além de não fazer um mês que eu havia comprado minha carteira. Só bens
materiais foram levados, não fui abordado por ninguém – na verdade nem senti e
nem vi quem levou – apenas sei que foi na entrada do 502, linha de ônibus com
destino ao Geisel e que passa pela UFPB.
Esta foi a quinta vez que tive
objetos pessoais extraviados. Não foi a mais traumática, pois a segunda e quarta
vez os assaltantes estavam armados e me ameaçaram. Com exceção desta última vez,
todos os outros assaltos que sofri foram na minha vizinhança – um dos bairros
mais antigos da cidade, predominantemente de classe média mas com alguns
condomínios de luxo.
Por essa descrição e somado
ao fato de eu ser de uma família de classe média que, por fruto de incessantes
esforços, conquista suas coisas e espaços na vida, pode parecer que vou tecer
um belo discurso preconceituoso, meritocrático e com todos aqueles clichês. Não.
Até por que nem sou eu que estou nesses condomínios de luxo e nem sonho em ter
um carro, como muitos da minha idade. Sempre me pego pensando em inúmeras
coisas do dia a dia – úteis ou não, importantes ou não – e, diante dessas
experiências que tive, tenho refletido sobre minhas reações quando sofri esses
atos.
Até a terceira vez que fui
assaltado, em meados de 2010, eu me sentia uma vítima totalmente impotente,
como de fato nós ficamos quando sofremos atos de violência. Eu tinha por volta
dos meus 13 anos e não conhecia muito da vida, nem sabia o que era ética,
moral, nem que eles são diferentes um do outro, mas sabia o que alguns
familiares juristas conversavam e eu, sempre atento, ouvia. Ouvia que “o Estado
deve garantir a vida e a segurança dos cidadãos” e que era uma “atrocidade
querer matar bandidos, eles têm que cumprir pena na cadeia e serem reeducados
para viver em sociedade”. Mesmo sem saber, estava sendo guiado pelos princípios
da nossa Constituição e dos Direitos Humanos.
Quando sofri esses assaltos
e outras tentativas até então, eu não enxergava no assaltante um inimigo; era
alguém sim que estava tentando me fazer o mal, alguns até estavam sob o efeito
de drogas, mas a impotência da idade, da força física e também dos conceitos
morais que eu nem conhecia, me amansavam.
A quarta vez que fui
assaltado foi em 31 de janeiro deste ano. Na minha rua, dois assaltantes numa
moto me abordaram – eles já traziam consigo bolsas de outros roubos – e, me
ameaçando e dizendo que estavam armados, levaram meu celular. Entretanto, eu
com 18 anos vendo o fruto do meu trabalho sendo levado de forma tão violenta e
na minha rua, ou seja, na minha zona de conforto, não iria me reter na
impotência. Tentei reagir mas eles fugiram na moto. Logo acionei a polícia que
me atendeu rapidamente e com a ajuda do rastreador do meu celular, encontrei os
bandidos. Lá estava eu protegido por colete à prova de balas e capuz, com mais
8 policiais fortemente armados entrando numa comunidade não tão longe de casa.
Quando me vi na situação em
que estava e como as pessoas do local reagiam à nossa chegada, uma frase que vi
num protesto não saía da minha cabeça. “Quer intervenção militar? Vai pra
favela!”. Pois é, caro leitor, a ditadura não acabou. E o pior: nós das classes
C, B e os mais abastados da A, somos quem a mantemos.
Sim, ainda acredito na
educação e na vontade de mudar de cada um.Independente da origem da pessoa,
conturbada ou não, mas acredito piamente na ideia do nosso amigo francês
Sartre: “a existência precede a essência”. E, de acordo como nossas escolhas,
conseguimos moldar nosso destino a cada momento – somos livres para isso. Óbvio
que é muito fácil para mim, que estudei nas melhores escolas da cidade e tenho
acesso a oportunidades que a gigantesca maioria da população não tem, falar que
cada um pode mudar, basta querer. Mas se a mudança não começar na gente, onde
começará?
De volta à reação, ignorei
todas as orientações policiais de não reagir a assaltos ou atos de violência.
Isso estava bem longe da minha cabeça naquele 31 de janeiro. Os instintos mais
humanos – animais – é que me faziam dar cada passo forte e veloz atrás daqueles
bandidos, naquele momento eu desejava sim o pior para eles; queria vê-los tão
mal ou piores como eu me sentia naquele momento e essa ideia me atormentou
duramente durante as semanas seguintes. Perdi o sono pensando no que faria se estivesse
com eles nas mãos, tive dores de cabeça por ficar ficar a todo instante
tentando relembrar de algo que os identificasse, fui atrás de câmeras na rua,
testemunhas, etc.
Eu estava decidido a
encontrar aqueles bandidos e me acostumei tanto a procurá-los por onde os
encontramos antes de fugirem, que até hoje passo pelo local e fico olhando sem
saber mais o que procuro. Ali eu não era mais homem e sim bicho. O capitalismo
e as relações interpessoais e até interespecíficas de competição que ele
provoca nos leva aos mais primitivos dos atos. Atos que mais parecem vir do
sistema nervoso periférico – não pensamos nessas atitudes. Dessa forma humana
demasiada humana vivemos uma curiosa contradição de sermos – segundo nós mesmos
– os únicos seres que sabem e que têm consciência que sabem de algo, mas
continuam a agir de forma tão animalesca. Sou um deles. Somos eles e elas.
O âmago do direito humano é
saber reconhecer em si e nos outros os humanos que somos. Tarefa difícil. Em
horas como essa que somos desafiados e levados ao clímax dos nossos instintos é
que somos postos à prova. Somos animais, reagimos imediatamente sem grandes
reflexões, mas temos a capacidade de logo em seguida refletir sobre nossas
ações. Aí é quando nos arrependemos. A angústia que a liberdade nos causa é um
fardo que teremos que levar sempre; enquanto houver humanidade.
Contra a angústia e o mal que nossas atitudes e a de
outrem possam nos causar, sejamos sensatos. Respeitemos a vida e nosso planeta.
Afinal, não queremos sofrer na mão de ninguém; então por quê faríamos alguém
sofrer?
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