terça-feira, 8 de março de 2016

A Páscoa e os direitos humanos


Por Felipe Nunes

Aproximamo-nos de mais uma Semana Santa, como é tradicionalmente conhecida a Páscoa no Brasil. É uma data de aceitação quase unânime na sociedade. Para cristãos, Páscoa é época de penitência e de reflexão sobre a morte e a ressurreição de Jesus Cristo. Para judeus, o período marca a passagem do povo hebreu pelo Mar Vermelho em direção à terra prometida. Até mesmo pessoas sem qualquer crença comemoram a época. Cada um a seu modo. O que parece bastante comum é o desconhecimento sobre a ideia de liberdade contida na Páscoa.
Do ponto de vista judaico, a Páscoa lembra a redenção do povo hebreu, que fora escravizado quando viveu no Egito por cerca de 400 anos. Segundo o relato bíblico, o povo, sob a liderança de Moisés, voltou para a terra prometida após um longo período de tribulação. A história bíblica, uma fonte confiável sobre a saga dos hebreus, relata em detalhes como foi o processo de redenção desse povo, episódio conhecido como Êxodo.
Antes escravizados e humilhados, venceram Ramsés e seu reino, e passaram a viver de acordo com os Dez Mandamentos que Deus, segundo o relato bíblico, entregou a Moisés, numa aliança com os israelitas. Os primeiros quatro mandamentos falam do amor a Deus e os outros seis discorrem sobre o amor ao próximo (Honra a teu pai e a tua mãe, não matarás, não adulterarás, não furtarás, não dirás falso testemunho contra o teu próximo, não cobiçarás), ideias que influenciaram civilizações ao longo da história e até hoje norteiam as leis ocidentais. Assim, partindo da perspectiva judaica, Páscoa significa libertação e justiça.
Enquanto que para os judeus a Páscoa é a saída da escravidão para a liberdade, no âmbito político e social, para os Cristãos a Páscoa é um momento de transição mais amplo, fundamentado na Ressurreição de Cristo: a saída da morte para a vida, a salvação e libertação do homem e do mundo. Esta crença se refletiu na política global através dos ensinamentos revolucionários de Jesus. Nos escritos do novo testamento, a ideia de liberdade e dignidade humana é evidente. Os ideais cristãos trouxeram à tona temas como a abolição da escravidão, a igualdade entre os sexos, o estado laico, leis justas e o respeito às autoridades constituídas.
Quanto à reivindicação de respeito à dignidade humana, Jesus foi enfático ao defender a igualdade perante as leis e o respeito aos deficientes (cegos, mudos, leprosos, paralíticos), com os quais conviveu e, segundo os evangelhos, deu-lhes valor e cura.
A igualdade entre homens e mulheres foi uma bandeira de Cristo. Há pregações bíblicas que provocaram uma enorme ruptura no meio social da época de Jesus. O novo testamento, como complemento do velho testamento bíblico, busca resgatar os direitos reivindicados pelas leis e pelos profetas. A ideia de que na vida conjugal “ambos serão uma só carne” e a defesa das potencialidades femininas são temas dos textos cristãos primitivos. Os evangelhos citam nominalmente mulheres que tiveram destaque, como Priscila e Aquila, Maria Madalena, a própria Maria mãe de Jesus, e traz frases marcantes: “Homens, amem as mulheres mais do que a seus próprios corpos”, “Maridos, amai vossas mulheres como Cristo amou a Igreja [morrendo por ela]”.
A presunção da inocência, tão discutida hoje em dia no judiciário e na mídia, foi reclamada por Jesus em sua crítica aos homens que queriam apedrejar uma prostituta: “Atire a primeira pedra aquele que nunca pecou”.
O Estado Laico, “Dai a Cézar o que é de Cézar e a Deus o que é de Deus”, também fruto das ideias cristãs - fato revindicado com fervor na Reforma Protestante, quando Martinho Lutero fez história ao defender esta forma de organização do Estado.
Até mesmo o direito a educação é uma conquista cristã. A Igreja Católica é a responsável pela ampliação do conhecimento: criou a primeira universidade ocidental, a de Bolonha, e depois a de Sorbone, na Itália. Por sua vez, a Reforma Protestante fez história ao defender a educação universal e a criação da escola pública.
Enfim, ao conhecer os fatos históricos e o contexto que existe entre eles, percebemos que a Páscoa significa mais do que o consumo, que é bom e aquece a economia. Páscoa é um dos nobres sinônimos dos Direitos Humanos. Uma conquista da cultura judaico-cristã para o mundo inteiro.

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