Em 2011, uma detenta foi
obrigada a dar à luz algemada pelos pés e pelas mãos. O caso chamou alguma
atenção da mídia, quando o Estado de São Paulo foi condenado a pagar
indenização à mulher. Agora, livre, a ex-detenta e sua mãe, autora de uma carta
de 40 páginas denunciando as violações de direitos da filha que levou a
Defensoria Pública de São Paulo a entrar com a ação, comentaram, com o site Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo, o trágico acontecimento e
suas consequências para o contexto atual. Elas não quiseram se identificar e o
site as chamou de Clara e Maria, respectivamente. (Carla Braga)
Clara,
quantos anos você tem e o que aconteceu?
Eu tenho 22 anos, fui presa com
19 e levada para a Penitenciária de Franco da Rocha. No dia 25 de setembro
[de 2011] comecei a sentir as dores do parto, umas seis e meia, sete da manhã.
Fui tomar banho, fiquei na enfermaria da cadeia, e fui de ambulância para o
hospital. Chegando no hospital de Caieiras, eles já me algemaram pelas mãos.
Você
chegou no hospital e eles já te algemaram as mãos?
Isso. Aí quando eu entrei, eles
me deram aquela roupa de hospital, me mandaram deitar na maca e já me algemaram
pelos pés.
E
você passou todo o parto algemada pelos pés e pelas mãos?
Sim. Foi muito ruim. Eu estava
sozinha. Tinha uma moça na cama do lado, pedi pra ela ligar para a minha mãe,
ela avisou, minha mãe foi até o hospital, mas não liberaram a entrada dela.
Tive minha filha de parto normal.
Quanto
tempo você ficou em trabalho de parto?
Não sei a hora direito porque
não tinha relógio lá. Mas era dia de visita. Acho que ela nasceu lá pelo meio
dia.
Por
que você resolveu entrar com a ação contra o Estado?
Na verdade foi a minha mãe que
escreveu uma carta contando toda a história. Porque ela também foi muito
humilhada. E essa carta virou um processo administrativo.
Quanto
tempo você ficou presa? Cumpriu a pena toda ou está respondendo em liberdade?
Eu cumpri a pena toda, um ano e
oito meses. Não me tiraram nenhum dia.
Então
você entregou seu bebê pra sua mãe?
Entreguei, com sete meses. Eu
fiquei uma semana na enfermaria da cadeia, com um monte de doentes e só depois
eu fui para o COC. Eles não deram roupas para a neném. Minha mãe tinha levado as
roupas pra ela, mas eles não deixaram entrar. Ela ficou só com a roupa do
hospital.
E
como você está se sentindo agora que ganhou o processo contra o Estado, ao
menos em primeira instância?
Ah, eu nunca vou esquecer o que
aconteceu comigo. E ainda cabe recurso, né, então vamos ver. Mas eu fico feliz.
Estou trabalhando, estou com a minha família.
Maria,
você escreveu a carta que deu origem ao processo. Como foi isso?
Eu fiquei três dias escrevendo
uma carta de 40 páginas porque comecei a ler as leis e comparar com o que
estava acontecendo com a gente e não batia. Minha filha foi presa com oito
meses de gestação, porque se envolveu com um rapaz que mexia com droga e pagou
um preço muito alto por isso. Mas algumas coisas iam contra as leis, os
tratados internacionais, tudo. Eu não sou advogada, mas sou mãe e estava muito
indignada. Então mandei a carta pra todo mundo, presidente, governador,
Defensoria Pública. Assim conheci o Patrick Cacicedo e o Bruno Shimizu, que me
ajudaram com esse processo.
Você
chegou a visitar ela na cadeia depois do parto?
Não me deixaram entrar no
hospital quando ela teve o bebê. Uma assistente social me ligou pedindo pra
levar comida porque eles só davam almoço e janta mas como ela estava
amamentando tinha muita fome. Aí juntei dinheiro, arrumei a comida, levei e não
me deixaram entrar. No COC era um pouco melhor, tinha mais conforto e comida.
Lá ela ficou seis meses. Ela ter parido algemada foi meu limite. Essa carta
virou um processo administrativo e a sentença concluiu que era uma prática
mesmo. Eu tentei buscar as progressões dela, porque ela tinha uma criança
pequena fora e um bebê lá dentro e eu não tenho marido, estava sozinha aqui
fora. Mas eles deixaram ela até o último dia. Progressão é pra rico, não é pra
pobre.
E
como você se sente com essa primeira vitória?
Ainda cabe recurso, né, mas eu
fico feliz. E só tenho a agradecer à Defensoria Pública. Mas eu gostaria muito,
muito, vou te falar do que. Quando ela foi presa, me passaram uma lista
de coisas que eu precisava mandar pra ela, eu fui obrigada a mandar fazer
uniforme da cadeia, eu que mandava papel higiênico e absorvente pra ela. Eu
adoraria receber o dinheiro do papel higiênico de volta. O juiz dizer pro
Estado: “Vocês vão ter que devolver o dinheiro do papel higiênico”. Essa seria
minha grande satisfação.
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