sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A luta popular e os avanços na cidadania da saúde mental

Hospital Colônia de Barbacena / Crédito:Geração Brasil - Divulgação
Por Natan Cavalcante

Quando pensamos em “loucura” e na recuperação psiquiátrica, logo vislumbramos um estereótipo construído no imaginário cultural durante longos anos. Imaginamos, por exemplo, a figura do paciente de algum transtorno mental como um ser agressivo e fora de si; portanto, um perigo iminente para a sociedade. Partindo desse estigma construído, a mais comum das práticas seria o completo isolamento social do doente mental em um hospital psiquiátrico ou manicômio, onde permaneceria, muitas das vezes, até o fim dos seus dias.

Na literatura e no cinema, a exemplo de obras como O Alienista, famoso conto de Machado de Assis, e O Bicho de Sete Cabeças, filme dirigido por Laís Bodanzky e lançado no ano 2000, vemos que o modelo manicomial e hospitalocêntrico também aparecem como exemplos de tratamento para a figura de um doente poucas vezes recuperável, em que um tratamento quase sempre brutal e desumano é empregado. O que, não raramente, apenas agrava o estado do paciente.
Para além da ficção, exemplos reais de como esses centros de recuperação agiam longe dos princípios de um tratamento humanizado são fartos. E foi baseada nessa realidade que, a partir da década de 1970, uma Reforma Psiquiátrica começou a ser discutida. E a necessidade de mudanças no sistema de apoio e tratamento ao paciente com algum transtorno mental vai se tornando ainda mais evidente.
Somente com o surgimento do Movimento Antimanicomial, no final da década de 1980, a luta por direitos e melhores condições de tratamento ganhou mais força. A inserção social e a busca da cidadania do doente mental passou a ser a pauta.
Na redação da Constituição Federal de 1988, fica posto que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”, e que deve ser assegurado o bem-estar mental, a integridade psíquica e o pleno desenvolvimento intelectual e emocional.
Em 2001, como resultado de longas lutas sociais, foi promulgada a Lei 10.216/2001, também conhecida como a Lei Antimanicomial. Ela legitima a Reforma Psiquiátrica como política de Estado e torna-se a base para grandes mudanças no sistema de tratamento psiquiátrico brasileiro. Enfatiza a proteção e os direitos das pessoas com algum transtorno mental e a construção de uma rede de cuidados aberta e territorial, contrapondo com o modelo hospitalocêntrico.
Como resultados dessa lei surgem notáveis mudanças, como a abertura de inúmeros Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e das Residências Terapêuticas, e da instituição de programas como de De Volta para Casa, que é um auxílio-reabilitação para assistência e integração social de pacientes com histórico de longa internação psiquiátrica. Tudo isso, ao passo que os leitos em instituições psiquiátricas são proporcionalmente extintos.
Na prática, o sistema pode não funcionar tão bem quanto no papel. Apesar disso, a luta pelo respeito aos direitos da pessoa humana tem que ser constante. Mas, sem dúvida, houve um grande avanço no tocante ao tratamento desses pacientes, que passou a ser muito mais inclusivo e humanizado.
Podemos destacar como causa dessa evolução no tratamento, o avanço da medicina e da indústria farmacológica, mas sobretudo as lutas sociais pela cidadania e pelo respeito da pessoa com algum transtorno mental, propondo a construção de um sistema de tratamento que promova a reabilitação social.

*Se uma pessoa com transtornos mentais sofre maus tratos ou tem seus direitos violados, além de buscar formas imediatas de proteção dessa pessoa, deve-se denunciar ao Ministério Público e aos disque-denúncias, a exemplo do Disque Direitos Humanos – Disque 100.

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